segunda-feira, setembro 12, 2005

Dúvida no olhar



As cortinas fecham-se antes do fim da peça. A plateia olha incrédula as luzes que se apagam, tão depressa como a oração do pecador. Estarão os actores cansados de esperar? Ou terão os aplausos tardado em chegar? Nenhuma das hipóteses parece suficiente para que os olhos se fechassem. E nem os palhaços sabem como extinguir a dor.

Não há sorrisos eternos, ou olhares tão brilhantes que alcancem a sabedoria num copo vazio. Ele queria esperar. Ele tentou esperar. Mas foi arrastado para o lado de fora pelos corações fechados e por um perfume de ocasião. Sem rasto, sem perdão. Perdão que ele nunca pediu. Porque as dúvidas deixaram marcas profundas. E não há nada pior que uma alma perdida sem propósito.

Deveria parar a erosão? Deveria deixar de envelhecer? Não me obrigues a viver a tua depressão. Não agora que comecei a aprender a viver. Não me obrigues a viver a tua vida. Não agora que esqueci como sofrer. “Tu sabes quem eu sou”, disse-me um anjo um dia. Tentei lembrar-me daquela face dourada, mas em vão. “Sim eu sei”, mas no fundo não sabia. Daqui a um século saberei.

Dá-me mais um motivo para te ver através dos olhos de um cego. Só mais uma razão para escutar o teu silêncio. Pára de olhar para mim! Não consigo mentir com esta corda ao pescoço. Tenho vontade de voar através da noite escura. Mas esqueci-me de roubar as tuas asas. Que azar! Agora só ouço as tuas palavras surdas.

Consegues dizer quando um homem não é um homem? Conseguirás sorrir quando os nossos medos passarem num ecrã de prata? Finalmente conheci a felicidade. Esteve comigo o tempo todo. Não, não é um jogo. Então porque insistes em lançar os dados? Não olhes tão fundo nos meus olhos. Não há lá nada que queiras encontrar. Só aquilo que eu sou. E eu já não tenho muito para dar.


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