quarta-feira, fevereiro 01, 2006

O tempo e a Palavra



O que acontece à Palavra roubada de debaixo da língua e colocada entre-linhas? Perderá o seu valor, a sua conjugação, a sua cor? Acreditas com todos os teus sentidos que será mais facilmente gravada na mente de quem a lê? Ou será apenas uma imitação barata e fora de tempo tirada de uma conversa perdida naquele momento?

Porque a Palavra é traiçoeira, ambígua, matreira. Dependendo de quem a manuseia. Mas pode ser igualmente bela e atraente. Um acto de afecto e amor sincero sempre que nasça do fundo do coração antes de pedir licença à razão para voar nas asas da voz.

Mas durante esse trajecto a Palavra corre o risco de não passar de um projecto que, por falta de coragem ou insegurança, nunca ganhou o direito a voar. Sim, porque é necessária alguma coragem para afirmar a alta voz tudo aquilo que sente o coração. E não é pouco, salvo ter sido talhado a partir da mesma pedra que sustenta as muralhas onde se esconde a pura emoção.

Uma Palavra dita com sinceridade pode ser a chave que liberta um sentimento, que acorda um coração adormecido, que vê partir todos os medos e dúvidas de uma alma que esqueceu por momentos como se ama.

Mas pode ser também a ilusão que faz crescer um rio nas margens de uma alma carente. Que tão depressa corre forte e confiante em direcção a um mar escuro, como no momento seguinte se extingue porque a palavra não era mais que uma mentira que agora parte deixando para trás apenas as cinzas daquele papel virgem e a dor.

Mas porque glorificamos obsessivamente a Palavra? Porque exigimos que seja instantânea e precisa? Necessitamos assim tanto de sentimentos imediatos que não podemos sequer dar-lhe tempo para crescer livre e confiante? Porque a Palavra necessita de tempo para ganhar o seu espaço natural. Se ela neste momento não voa é porque não é uma palavra vã e sem sentido. Ela traz consigo emoções e sentimentos que não devem ser desperdiçados de ânimo leve. Não é uma palavra movida por falsas ilusões, intenções de encantamento momentâneo ou afectos que se esgotam no passo acelerado do relógio.

E quantas Palavras já disseste sem nada dizer? Quantas emoções já revelaste em segredo em momentos de silêncio apenas recorrendo aos gestos que dançavam no ar e ao leve sorriso do olhar? Mas se queres palavras falsas, imediatas, sem sentido, uma palavra em língua distante que encanta enquanto esconde desejos que se gastam no tempo, não é aqui que deves procurar. Porque aqui a Palavra pede tempo para se mostrar. Aqui a Palavra nunca será apenas palavras...