segunda-feira, setembro 04, 2006

Ana Thema



Então não era apenas um jogo...
Quando, por vergonha e medo, quebraste todos os espelhos para que ninguém fosse capaz de reconhecer as tuas feições de cigana
Quando, numa fúria desmedida de menina mimada, lançaste as folhas do teu descontentamento sobre o rosto da cidade e, com elas, sacudiste a minha alma ao vento
Não... não era apenas um jogo...

Encheste as paredes com as minhas palavras, apenas para recordar o seu significado
Dizendo, com uma certeza aterradora, que a cor é o elemento que une o sangue e o beijo
Porque ambos são eternos e correm livremente lado a lado
Ambos atraiçoam, mentem, magoam. São as duas faces do mesmo pecado

Uma aranha de cristal percorre livremente cada centímetro da minha pele
Explorando, sentindo, amando. Enquanto constrói a sua teia entre o meu peito e o teu
E, num momento que se arrasta para sempre, o coração bate violentamente, imitando cada movimento dos corpos encontrados
Docemente...
Mas o mesmo sangue e suor deixaram-nos para se espalharem por entre o soalho e os lençóis

Tomei a liberdade de construir um sonho para ti. Com asas de papel pintadas de hieróglifos antigos com tinta da China usada
Espero que o aceites, pois quem sabe quando não quererás voar?
Revi as palavras ditas sem pressa pelo homem azul da voz de plástico, e senti-as esmorecer de repente, enquanto observava o Deus-Tigre debruçar-se sobre a janela da Rua dos Cravos
Percorri todas as esquinas da selva imaginária e abri todas as portas para que as sombras e os beijos pudessem entrar

Vi e senti. Li e reli todas as mensagens contentes escritas por mãos dormentes, durante mil linhas apagadas do estreito presente que as sórdidas mentes procuravam alcançar
Aprendi e assumi que todos os momentos passados defronte uma estrela cintilante são um único suspiro lascado que não sonha nem espelha todos aqueles que ainda virão e com os quais não nos atrevemos ainda a sonhar.

Apelo aos olhos descrentes que me observam da lua, que abracem a menina que entre nós flutua
Que libertem as melodias escondidas entre palavras de cartão, que a façam princesa e que lhe estendam uma simples e bela canção.

Átomos livres de livros sagrados
Estátuas vivas de homens inacabados
Contam histórias de meninos mimados
Contam mentiras de olhos fechados

Escondo esta menina entre grãos de areia
Longe de tudo, numa maré aberta e numa mão cheia
Cheia de nada e de coisa nenhuma
Cheia de um ar livre que ambos respiramos
Cheia de um ar que mil templos perfuma

Arranca as páginas que já vivemos
Apaga as linhas que ambos escrevemos e procura novas palavras que ainda não dissemos
Guarda algumas lágrimas para dias de chuva e lucidez
Apaga as estrelas antes de te vires deitar e apaga, também, o preconceito e a estupidez.

Deixa-me admirar-te quando fores a única estrela a brilhar. Deixa o tempo morrer. Deixa o tempo passar
Porque para o tempo não existe cura. O tempo, esse, asfixia sempre devagar
Deixa que as raízes do tempo se alastrem até à cidade
E que os momentos em que insistimos em nada dizer se transformem em momentos ternos em que sabemos não haver nada a esconder

Eu vivo em contradição dos sentidos e tu derrubas exércitos e muralhas só para me ver passar
Eu lanço cartas à chuva e ao vento e tu desesperas quando as tuas lágrimas secam ao brilho do luar.


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